Pirulito: retrato da nossa infância

Carolina Freitas

Quem frequenta o comércio de uma cidade e é atento aos detalhes que o compõem, inevitavelmente percebe que cada estabelecimento traz consigo uma trilha sonora. Não necessariamente aquela vinda dos rádios, mas uma determinada pela essência do segmento no qual o negócio está inserido. No caso da Pirulito, pensar na loja é visualizar todas as vidas que a tiveram como pano de fundo para sua infância e adolescência.

Foto: Petrópolis Sob Lentes

Se num restaurante não há trilha sonora que se escreva sem os ruídos dos talheres e das conversas que acontecem entre garfadas, na Pirulito não há melodia melhor do que a manifestada pelas crianças: público-alvo da loja. São grunhidos e risadas que traduzem com exatidão a mistura de alegria e emoção sentida pelos funcionários que, há 43 anos, são parte importante da infância e do crescimento dos petropolitanos.

Aos 77 anos, o petropolitano Roberto Cury fez do comércio sua profissão e fonte de uma de suas maiores alegrias. Filho do libanês Abdalla, então proprietário da Casa Cury, o também comerciante Roberto crê que o gosto pela área tenha se dado pelo sangue. Chegando a trabalhar no negócio do pai, ele fundou a própria indústria – a Curylã, a loja Pipitto e, nos anos 70, assumiu a Pirulito, que antes pertencia a seus primos Cláudio e Edgar.

De uma modesta porta na altura do antigo Café Rio Branco, a loja cresceu junto de seus clientes e foi transferida para a Rua 16 de Março, onde permanece até hoje junto da Pirulito Baby – esta dedicada somente aos pequenos. “Eu me sinto muito orgulhoso porque a gente já atende a terceira geração das famílias. É um ramo gostoso porque cada criança é uma criança. Algumas dizem que querem ser donas da loja”, ri o senhor Roberto.

Com duas filhas, Renata e Vanessa, e três netinhos, o comerciante, ao que tudo indica, tem seguido os passos do pai e transmitido à família o dom de escrever histórias e bem servir a clientela. Se, no passado, era ele quem observava o modo de fazer comércio do pai, agora é ele quem serve de inspiração para a filha, Vanessa Cury Fabião, de 52 anos. Tendo crescido atrás dos balcões, ela também não se vê em outro lugar, a não ser na loja.

Durante as férias escolares, era para a loja do pai que Vanessa ia para “fazer um dinheirinho extra”. Disposta a fazer o que fosse necessário, ela dobrava roupas, atendia clientes e, pouco a pouco, se via cada vez mais imersa naquele universo próprio do Sr. Roberto. “Meu pai ama aquilo. A Pirulito é ele. Ele está sempre ali, presente na loja, vivendo e respirando aquilo tudo. E eu também adoro”.

Chegando a morar por 10 anos no Rio com o marido e os filhos, desde que retornou a Petrópolis, Vanessa voltou também à convivência e ao trabalho ao lado do pai. Na área administrativa ou nas vendas, ela aponta a união da família e dos funcionários como sendo um dos fatores mais prazerosos e estimulantes na rotina. Na pandemia, ela testemunhou a criação de uma verdadeira rede de apoio na superação dos obstáculos.

“Foi muito legal porque todo mundo abraçou a causa. Meu marido, meu filho, minha mãe no background, sempre dando ideias. Foi uma batalha e o que segurou foi essa perseverança. Meu pai sempre positivo, acreditando, e isso é maravilhoso. É muito bom estar em família e receber esse tipo de apoio. Agradeço muito a Deus pela família que eu tenho”, descreve Vanessa, que em casa ou na loja, tem amigos e incentivadores para toda a vida.

A família Pirulito

Acostumada a fazer parte das famílias de clientes, a Pirulito se tornou, por si só, uma grande família que coleciona histórias. Onde os filhos das funcionárias, praticamente, também se tornam filhos de quem trabalha com elas, acompanhar o crescimento uns dos outros é, de longe, uma das partes mais gratificantes do dia a dia da equipe. É o que descreve a contadora Vera Lucia Bargas Alvarez, de 78 anos.

Funcionária do Sr. Roberto há quase 49 anos, Vera trabalha com o comerciante desde a época da indústria Curylã. Num cenário em que, mais do que um patrão, o Sr. Roberto se tornou um amigo, ela tem o prazer de dizer que, quando começou a trabalhar para a família, Vanessa tinha 3 anos de idade. Contadora e, portanto, responsável por atuar nos bastidores da loja, ela garante que não há emoção maior do que fazer parte de tantas histórias.

“Os filhos e netos das funcionárias, aos poucos, vão se tornando nossos também. Uma do escritório nasceu com a gente e já é vovó. É uma família e isso é muito importante porque o Sr. Roberto lutou tanto”, descreve Vera, que entre as amizades que coleciona está a de Márcia Monteiro, de 57 anos. Gerente-geral da Pirulito, ela também tem uma parceria de décadas com a família Cury. Ao todo, são quase 40 anos de união.

Contratada para trabalhar no escritório, ela passou pela Casa Cury, pela Pipitto e, então, pela Pirulito. Convidada para assumir a gerência, ela tem sido uma das testemunhas da renovação de gerações de clientes e do acolhimento proporcionado pela família Cury. “É muito gostoso trabalhar com criança porque a gente está sempre rindo, vendo as malcriações, as gracinhas. Elas crescem e depois voltam para comprar para os filhos”.

Chegando a mencionar o caso de uma cliente que compra roupas para a neta na Pirulito e que, no passado, teve seus próprios trajes adquiridos pela mãe na loja, Márcia diz que, como ela, existem várias frequentadoras da loja. São pessoas que, mais do que admiradoras da qualidade e da filosofia do estabelecimento, têm prazer em se sentir parte de uma família e de uma trilha sonora que exprime alegria.

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